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Quem somos nós.

Meros mortais, um grupo de 8 pessoas que n se conhecem; ou se conhecem; não sei!
Que decidimos em conjunto; ou não a escrever sobre pecados.

No final de cada ciclo, sorteamos o proximo pecado que cada um defenderá, a idéia é cada autor escrever sobre cada pecado, e assim, finalizando um total de 64 posts, 8 visões sobre 8 vícios.

Sejam bem vindos!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Prazer, Carla

Prazer, Carla.

Eu sou uma pessoa invejosa. Me envergonho em dizer isso,
é horrível, e gostaria de jamais ter experimentado
tal emoção na minha vida, mas não tenho salvação
desse vício materno.




Mais uma vez, debaixo da mesma árvore do pátio da escola. Meu caderno ao colo, minha caneta preta descansando entre as brochuras e as pernas cruzadas. Sentada, recostada no tronco, apenas vejo.
O sol da manhã ainda está por ficar mais quente, e o leve vento frio gera o combustível para os demais adolescentes fazerem o que adolescentes fazem nos intervalos.
Hoje é sexta-feira, e não tenho nada planejado para o final de semana, exceto a igreja ao domingo.
Sim, religiosa, e não por obrigação, mas por opção. Quero acreditar em Deus e seus santos, tenho medo do inferno e quero poder salvar o que nessa terra já não vale muita coisa.
Medo de morrer eu tenho muito, pois cada dia acho que não fui uma pessoa boa o suficiente. Que fiz hoje? Absolutamente nada. E meu julgamento no juízo final (se é que haverá um julgamento, ou um juízo, ou ainda, um final) como que fica? Estarei perdida em meio a meus pecados, sou pecadora e preciso de redenção. Vou à igreja e peço a Deus que me perdoe de tudo. Quero ser boa o bastante para entrar no reino bom.
Evito conflitos, evito brigas gerais. Quero a paz mundial. Fico triste ao ver uma pessoa passando fome ou um morador de rua. Sou emotiva o suficiente para tentar sugar as dores dos outros para mim.
Pego minha caneta e continuo meu poema



"Faça-me de trapo
usa meu corpo e abuse-o tanto quanto queira
não valho um trapo
quero ser videira"

Tudo um lixo, será que Graciliano tinha tantos problemas com a escrita? Era tão fácil assim para ele?
Sinto-me inútil. Sou só mais uma garota perdida no mundo, caminhando para o abismo certo, e isso me incomoda profundamente. Incomoda e assusta, sou gata assustada.
Volto a deitar a caneta e olhar o pátio, procuro algo que me interesse, que me distraia. Vejo só as mesmas cenas.
Penso em uma música que gosto, ela ecoa em meus ouvidos mentalmente. A letra não importa, só os instrumentos e a voz do cantor em harmonia já me relaxam mais. Vejo meus colegas de classe se divertindo, as meninas da sala rindo e fofocando, comentando os meninos bonitos e feitos que passam perto, nunca tive isso. Sempre fui tão isolada socialmente que nunca pude aproveitar o que todos gozam diariamente.
Parte por opção, parte por necessidade, não agüentava dedos apontados para mim.
Mal percebi e já havia escrito mais linhas do poema, continuei-o agora com maior consciência.

"Optei por vida morta
Dobrei as dores e as amontoei em fardos
Joguei-os para cima
Agora eles caem de volta na minha cabeça
Os fatos fardos de dores"

Não acho que Deus tenha planos para todos nós, acho que apenas nos joga no mundo e nos deixa jogar o jogo da vida. Um tabuleiro com vários caminhos. No meu caso, fiquei presa no início por muito tempo, e agora começo a tentar me aventurar pelos diversos caminhos.
Vejo todos na minha frente, mas tenho o que mereci por me entregar a treva.
Lá estão todos... Em momentos queria estar com eles, rindo junto com eles, aproveitando a vida junto com eles.
Não gosto muito das Sextas-feiras, todos comentam os planos para o final de semana e eu não tenho nada planejado. A maior emoção que costuma acontecer é quando me colocam para fazer alguma leitura na igreja ao domingo. Todos vão fazer coisas tão mais divertidas. Por que eu não tenho essa sorte? É sorte, a única explicação para uns terem tanta felicidade em suas vidas, e outro absolutamente nada.
Pelo menos tenho minha fé, nada muito forte, mas algo com o que me preocupar e achar que no final ainda sairei por cima.
Vendo-os volto a me perder em meio a pensamentos e o poema já passou de uma página do caderno. Havia virado a folha e nem dado por mim. A mão continua em seu movimento vivo independente de minha vontade.

"Por meu globo de cristal vejo
Observo
Não o futuro, mas o presente alheio
Sofro ao ver o paraíso soberbo
E refletido na imagem convexa existe uma sombra
A minha torta imagem facial
Marginal"

Sou muito mais madura do que as outras meninas da sala, ou até mesmo da escola. Escola de bairro sempre é o mesmo. Todas preocupadas em exibir namorados e ficantes. E os meninos vão pelo mesmo caminho, exibindo ficadas e transas.
Nunca namorei, e apesar da idade que tenho, beijei apenas duas pessoas me minha vida. Quero alguém que me complete, que me ame, e não somente uma transa ocasional.
Não ligo para coisas materiais, diferente dos exibidos de classe média alta daqui. Para mim o básico basta.
No intervalo, em poucas olhadas, vejo tudo isso e sempre falo comigo mesmo as mesmas coisas.
Vejo os mesmos grupinhos estereotipados. As mesmas piadas inter-grupais.
Escuto as mesmas piadas dirigidas a mim.
Nada de muito interessante.
Um menino está conversando com uma menina um ano mais nova. Ele está convicto que o fato de estar uma séria à frente vai garantir um beijo rápido, pois não falta muito para o intervalo acabar.
Três meninas da minha sala estão olhando para uma máquina comentando futilidades.
Estou sentada, debaixo de uma árvore escrevendo palavras aleatórias em meu caderno de sempre.
Acho que me sou carente de atenção. Não! Não posso pensar isso. Muito egoísmo de minha parte. Não, não é esse o problema.
Um menino gordinho vem descendo as escadas a frente que davam acesso as salas. Deveria estar na biblioteca. Passa pelos outros adolescentes. Muitos os olham, com um olhar indiferente, acusador, olharem similares quando eu estou passando. Vejo a cena, um calor sobre por dentro. Quem são eles para olhar os outros assim? Queria estar junto deste menino e defendê-lo.
Não sou forte o suficiente. Queria ser como os populares, convictos e com atitude, queria poder levantar de meu lugar e encarar cada um.
Mas não o faço.
Essa posição social em que sou largada me frustra.
Mais linhas escritas entre pautas

"De um sub-mundo quero assunção
erguer-me aos céus
Quero viver como os deuses
Total redenção
Quero o poder dos demônios
a fé dos pagãos
e festas regadas de gulosos vômitos"


Em muitos momentos me pergunto o porquê eles podem e não merecem. Exatamente, esses quaisquer podem tanto, têm tantos direitos, conseguem tantas coisas, são tão felizes, e ao menos têm noção de tudo isso. Estão inertes mentalmente no próprio êxtase da vida social que não conseguem enxergar que tudo o que eles têm são invejados por tantos outros.
Inveja, sim, isso se chama inveja. O que eu sinto deles é puramente inveja. Mas eu não quero sentir isso. Não me julgue mal, ou ache que sou apenas mais uma vilã de filme ou série, sou apenas uma pessoa normal, que inveja a facilidade que alguns têm em determinadas coisas. Seria inveja ou senso de justiça. E a justiça não seria uma forma organizada da realização dos invejosos?
Não queria sentir isso, rezo em missas todas as semanas pelos sentimentos horríveis que sinto as vezes. Justo eu, como pode ser?
Gasto dias e dias pensando em uma forma de pensar puramente ou julgar algo que vejo, até mesmo evitar o julgamento, mas é inevitável, inerente a meu ser não pensar desse jeito. Na maioria das vezes meu pensamento ultrapassa a velocidade de minha consciência. Quando consigo retardá-lo já me vejo perdida em meio a diabólicas emoções.
Quero algumas prisões, algumas mortes e algumas derramas. Quero um HobbinWood do século XXI que faça a justiça aparecer.
Quero o apocalipse hoje, a revelação e o julgamento dos justos.
Serei justa? Estou sendo certa? Como posso desejar o mal aos outros desse jeito?
Vejo uma onda psicodélica de martirizações dolorosas que estou montando para me castigar. Estou pecando, não estou certa.
Malditas patrícias que têm tudo dos pais. Ordinários playboyzinhos que transformam os finais de semana em bacanais infindáveis.
Como eu queria acender nessa sociedade desgraçada. Meus sonhos giram em torno de uma bela segunda em que chegaria mais bonita, mais alta, mais sexy do que sou hoje. Conversaria com qualquer um que chegasse a minha frente e perguntasse como foi o final de semana. Descreveria meu lindo namorado que havia me chamado para transar em algum lugar inesperado. Como queria matá-las de ódio, de inveja.
Sim, queria transplantar meu pecado nelas. Livrar-me dele o mais rápido possível.
Não consigo evitar o pensamento, eu tento evitar, mas seu sabor é pecaminosamente delicioso.
Quantas rezas farei no domingo para que Deus me perdoe por hoje?
Deus, me tire esses pensamentos.
Pensar é pecar?
Se não for, a inveja não deveria ser um pecado. Exatamente.
Sentir raiva é diferente de agredir alguém. Ninguém pode ser culpado por ter raiva.
Todos os outros pecados envolvem fazer algo, uma ação (ou falta dela). A inveja, diferentemente, não necessariamente exige uma ação. Aliás, caso ela vire uma ação ela passa a assumir alguma outra característica.
Querer ser mais linda que as outras é totalmente diferente de se tornar mais linda por maquiagens, compras excessivas e cirurgias plásticas. Querer ter finais de semana melhores que os outros é muito diferente que se drogas em festivais eletrônicos. Imaginar transar luxuriosamente mais que o outro é diferente de ser uma prostituta gratuita.
O outro, o outro. Desgraça! Odeio pensar nisso, mas não consigo fugir.
Talvez esteja ai o meu problema. Todo mundo me evitava enquanto eu queria estar com todo mundo. Fui rejeitada querendo estar entre os julgadores. Queria ser mais uma romana.
Já que não sou, agora, quero ser não algo de bom para mim, quero ser algo melhor que ELES. Somente eles. O resto não me importa.
Não quero ser diferente do mundo, quero ser igualmente melhor que ELES.
Fazer com que todos queiram estar do meu lado, me usar como exemplo.
Vou sim a igreja, quero que um dia alguém dê valor a isso e comece a me elogiar. Elogios, só peço elogios.
É pedir de mais?
Droga, estou pensando cada vez mais obscuramente, pareço só mais uma bruxa. Sou uma bruxa, mas as vezes acho que nem pra ser alguma coisa ruim eu serviria.
Queria destaque, sair do globo de vidro e ser colocado em pedestal.
Querer ser o que não posso ser. Ter a capacidade de escolher, pois estou sempre em total consciência, entre um caminho e outro e preferir aquele que sei que não devo.
Não devo, é tortura nítida, mas é minha necessidade. Querer não somente mais estar no meio daqueles que critico aqui.
Estar um passo, só um passo, a frente deles, para julga-los a meu ver, organizá-los a meu bel prazer.
Tornar as coisas certas. Exatamente. Quero ordem.
Tornaria um lugar melhor com a minha ordem. Onde ninguém iria mais criticar o outro por ser diferente. Meu desejo: acabar com a inveja. Terminar com esse maldito pecado induzido. Sim!
IN-DU-ZI-DO
Não seria assim ou pensaria demoniacamente assim se não fossem as pessoas. Quero acabar com esse pensamento.
Nem a pior das pessoas merecem senti-lo. Talvez sim. Mereçam senti-lo aqueles que nunca precisaram sentir, aqueles que geram isso na gente. Na minha gente.
Minha gente que se encolhe num canto, sentam debaixo de árvores, esgueiram por entre corredores, sentam nas primeiras carteiras, ficam em casa, dormem cedo. Minha gente que sempre anda de cabeça baixa.
Somos vítimas da inveja. Não a queremos. Quem quer inveja?
A inveja é feita para duas pessoas: as doentes e as excluídas.
Sou excluída.
Ninguém quer desejar o mal a ninguém, desejar não ir para cima, pois não preciso necessariamente melhorar. Aliás, acho até mais conveniente que eles percam tudo e fiquem pior do que minha forma atual. Continuaria do jeito que sou e minha revanche seria a mais ideal possível. Faria os reis virarem escravos dos camponeses.
Só penso isso pois fui obrigada a pensar assim, mas não queria, ao menos, precisar imaginar coisas assim.
Minha mente é meu infinito cárcere. Estarei fadada a morrer mergulhada em vótex de conceitos psicanalíticos.
Cansei de tudo isso, estou ficando louca. Peco e não quero pecar, mas me da vontade de continuar minha caminhada na vida.
Meu pecado me da forças para lutar contra o medo da morte e do julgamento. Pois quero continuar até o último segundo acreditando que a justiça será feita.
Minha inveja me tornará forte para combater tantas Segundas-feiras vierem, em que meu estado moribundo pós Domingo será quebrado pelos sons alegres de meus colegas de classe disputando quem teve o melhor final de semana.
Irei usar da inveja para conseguir o que quero, e assistir meu objetivo.
Essa sensação está se tornando muito forte, esta inundando meu corpo e posso ver minha alma indo mais próxima ao inferno. Estou condenada. Quero me condenar eternamente para satisfazer meus anseios por justiça.
Sinto tudo ao mesmo tempo.
"Carla, Carla" Olho para cima e vejo um menino da minha sala me chamando. O intervalo havia acabado e eu não escutara o sinal.
Ele apontou para meu caderno, a caneta havia estourado. Odeio quando essas canetas vagabundas estouram na minha mão. A tinta espalhara por quase toda a extensão das páginas abertas. Minha mão estava negra e gotejando líquido viscoso.
Quase todos já haviam se direcionado para as respectivas salas. Deixei o caderno no chão, levantei, observei cuidadosamente minha mão, que bagunça.
Agachei-me para pegar o caderno. Quando pus minha mão nele observei um canto ainda intacto pela tinta.
Algumas palavras do poema que havia escrito durante o intervalo ainda haviam se salvado. Li-as.
Gelei. Tremi. Peguei o caderno com raiva, direcionei-me ao lixo, e pouco antes de jogá-lo lá para nunca mais vê-lo novamente, reli as palavras que, novamente, bateram na minha cara e me fizeram sentir medo do julgamento final mais uma vez:









"...Eu quero ser
melhor que você
..."